Jeremias Puliquezi

Jeremias Puliquezi, o registrador das histórias da Vila 7

“A saudade começa aos 45, mais ou menos. Até ali o cara está jovem demais e achando que a vida é muito comprida, mas todo mundo vai passar por isso. E chega os 58, 60 anos e a saudade bate de verdade.” Essas foram as primeiras palavras que Jeremias Puliquezi, diz ao explicar a produção de textos e quadros sobre histórias vividas na Zona 7, em Maringá. Bairro onde nasceu e permanece até hoje.

Jeremias Puliquezi
O artista diante do quadro que fez das lembranças da mãe e das irmãs ainda na década de 1960

 

Aposentado como Técnico de Segurança da Copel, função que exerceu durante 22 anos, Jeremias Puliquezi se acomoda na sala de casa forrada com seus quadros, em uma tarde calma ao lado dos netos – o mais novo brincando no chão ao lado do sofá e a mais velha estudando na sala de jantar. E o clima de nostalgia embalado pelo cheiro de leite, chocolate e açúcar vindo da cozinha, onde a mulher Celia prepara algo após o almoço, ajeita o terreno para as histórias permeadas por sorrisos e risadas.

Jeremias Puliquezi

Lembrança de um caminhão tragado por uma cratera na confluência das ruas Mandaguari e Tietê na década de 1960, muito antes da chegada do asfalto

Apesar do bom clima de saudade, ele lamenta a ignorância da juventude. Quando mais novo, Puliquezi se desfez de todas as fotos tiradas com a máquina velha que ganhou do pai. “Por isso comecei a pintar. Eu tinha fotos do bairro, mas é aquilo que eu falei: quando você é mais novo, não dá valor, então joguei fora.”

Mas há males que vem para o bem. Exercitando a paixão que nasceu na infância, entre aulas com amigos e tentativas, o maringaense fez belos quadros, que um dia poderão ilustrar o livro que, por enquanto, está entre ideias e muitos rascunhos. “Faz mais ou menos uns dois anos que eu não mexo com ele, mas algum dia ainda sai.” Juntando poemas e imagens ele pretende retratar o dia a dia da Zona 7 de sua infância. Antes do bairro se deteriorar, os prédios entrarem no lugar das casas de amigos, do campinho de futebol e dos demais espaços nostálgicos.

A explosão do primeiro transformador da vila fez muita gente a pensar que chegava a hora do Juízo Final

Entre as pinturas a óleo sobre tela estão relatos das enxurradas que reviravam caminhões e invadiam casas das redondezas da Rua Tietê a cada chuva forte que atingia a cidade; as lembranças do pequeno artista e sua turma buscando lenha na Esplanada (hoje, calçadão ao lado do Mercadão Municipal) para as tias e as mães realizarem os afazeres de casa; e muitas outras atividades que mostravam o cotidiano do bairro. “Existem algumas fotos por aí, mas são fotos aéreas, panorâmicas. Eu queria mostrar o movimento que existia nas ruas”, explica Puliquezi. E completa, “são todas cenas que eu vi pessoalmente, eu estava lá”.

Jeremias Puliquezi

Como a maioria das casas da vila, de madeira e sem forro, a do artista também tinha muitas fotos da família

Mas assim como voa a imaginação de uma criança, voam também as lembranças da infância do bairrista – no bom sentido da palavra. O maringaense se permitiu uma memória lúdica, como o cachorro retratado maior que todos os outros personagens da tela que simboliza a chegada do aparelho de televisão à região. Por volta de 1967, como era costume na época, os vizinhos se amontoavam na casa do felizardo dono da novidade para assistir aos principais programas televisivos como “Rin-Tin-Tin” e “Família Trapo”.

“Eu pintei dessa forma para mostrar a importância que tinha assistir aquele seriado. Era até mais importante que a própria TV”. O aposentado tenta, ainda, explicar o sentimento vivido ao repórter que nem sequer chegou perto dessa experiência. “Algum amigo ter uma televisão era como ele ter um carro e você andar de bicicleta, mas a gente escondia essa inveja”, conta, sempre entre brincadeiras.

Após uma pausa para escutar as palavras indecifráveis do neto que desembestou a contar histórias como o avô, Jeremias Puliquezi diz um pouco mais sobre as suas memórias retratadas com liberdades poéticas. Mostrando no Facebook um quadro no qual simboliza a explosão de um transformador na Avenida Colombo, em 1967, ele relata o desespero das pessoas que ainda não conheciam a recente tecnologia. “Explodiu e fez um clarão. As pessoas ajoelhavam na rua pedindo perdão a Deus, porque acreditavam que o fim do mundo havia chegado. Talvez tenha sido uma das cenas mais interessantes e engraçadas que eu pintei. As caveiras saindo do chão eu abusei um pouco, porque, segundo a Bíblia, as terras vão dar conta dos seus mortos. Mas foi um negócio fantástico.” (Rafael Donadio e Ricardo Lopes)

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