A realidade brasileira revela profundas desigualdades entre os grupos raciais, com inúmeras práticas discriminatórias e racistas contra negros desde a sua infância e que essas práticas podem comprometer o futuro da pessoa negra pela forma em que ela se colocará na sociedade em que vive
Luiz de Carvalho
São muitos os avanços que os negros conseguiram nestes quase 130 anos desde a abolição da escravidão no País, mas em alguns aspectos a situação ainda é semelhante aos primeiros anos após a assinatura da Lei Áurea. E são estudos de órgãos governamentais que comprovam isso, como o que mostrou no ano 2000 que 80% dos empregados domésticos são negros, mesmo porcentual apurado logo após a abolição.
Para a ex-coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e vice-coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-brasileiros (Neiab), professora Marivânia Conceição Araújo, as razões do não avanço dos negros em determinadas áreas estão ligadas às condições culturais, sociais e econômicas do país, embora isto não apareça explicitamente. Muitas vezes os obstáculos começam ainda na infância. “No espaço escolar está arraigado que a criança negra é menos inteligente e assim ela vai ter menos atenção, menor estímulo e será mais cobrada”, diz Marivânia, diretora de Cultura da Universidade Estadual de Maringá (UEM), professora do Departamento de Ciências Sociais e professora doutora em Antropologia. “Um estudo da pesquisadora Irene Cavalheiro junto ao ensino fundamental apurou que a criança negra é menos abraçada, menos estimulada e não é difícil que professores e demais profissionais da educação não saibam o nome dela”, afirma.
Paulo Sérgio Francisco, o Paulo Bahia, militante do movimento negro em Maringá, diz que uma das manifestações do preconceito chega em forma de descaso. “Os japoneses foram importantes na colonização e foram homenageados com a construção do belo Parque do Japão, que custou cerca de R$ 10 milhões. Os negros, que também estavam aqui na colonização e são praticamente metade da população, nunca receberam um espaço para marcar a importância de sua presença. Até a praça que homenageia o líder negro Zumbi foi construída pelos próprios negros há mais de 20 anos e até hoje não foi concluída”.
Marivânia e Bahia concordam que a discriminação está no dia a dia dos negros, seja nas relações pessoais, no trabalho e até no atendimento junto a órgãos públicos. O Ministério da Saúde, por exemplo, lançou uma campanha para estimular a denúncia de discriminação na saúde pública após a constatação de que a maioria das mulheres que morrem durante o parto é de negras. “Isso acontece pela demora no atendimento nas emergências porque existe a ideia de que as negras são mais fortes e, por isto, podem esperar”, diz a professora. “Esta diferenciação se vê também no trabalho da polícia, que entre um negro e um branco a prioridade é abordar e prender o negro, na negligência de defensores públicos, nos patrões que promovem funcionários brancos mesmo que os negros sejam mais capazes”, enfatiza Bahia.
A historiadora Vera Lúcia da Silva diz ter sofrido preconceito a vida inteira e muitas manifestações foram na infância. “Sempre tinha a coleguinha de escola para se referir à minha cor, ao meu cabelo, como se isso fosse algum defeito”. Para ela, ”fala-se muito que o Brasil é um país sem preconceitos, mas isso não é verdade. As pessoas falam que não têm preconceito, mas não querem que filho ou filha se case com um descendente de africano, procura escolher os amigos para os filhos, mas não dão espaço para negros, lá nas suas casas se referem aos negros como se eles fossem inferiores aos brancos. Veja, por exemplo, as crianças que ‘sobram’ nos orfanatos. Primeiro são adotados os brancos com aparência europeia. Ninguém admite abertamente, mas é assim que acontece”.
Sugestões de enfrentamento ao racismo
Em artigo sobre o Mês da Consciência Negra, Marivânia Araújo apresenta algumas sugestões para aqueles que querem participar da luta antirracista.
1 – Esteja consciente de que o Brasil é um país racista. Leia sobre o assunto, observe os dados que fazem o recorte racial, busque informação (há muitos títulos em diferentes áreas do conhecimento, entre eles recomendo a coleção coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro “Feminismos Plurais” da Editora Pólen).
2 – Tenha empatia com quem se diz vítima do racismo. Pessoas negras vivenciam o racismo diariamente, ou seja, elas sabem do que estão falando, mesmo que aparentemente a situação se mostre como comum ou ausente da reprodução do racismo.
3 – Eduque seus filhos para a igualdade entre as pessoas: facilite o contato delas com crianças negras, trate pessoas negras com o mesmo respeito que você trata pessoas não negras, sabendo, por exemplo, seu nome.
4 – Apresente livros com protagonistas negros/as para seus filhos: eles precisam crescer sem pensar que são superiores, que há beleza e humanidade em todas as pessoas. Para facilitar, segue o link para uma lista com 100 livros infantis: https://www.geledes.org.br/100-livros-infantis-com-meninas-negras-50100-parte-i/.
5 – Não reproduza “brincadeiras” racistas, elas não são engraçadas e ferem muito as pessoas negras, mesmo quando elas dizem não se importar. Procure piadas e brincadeiras que não sejam ofensivas.
6 – Atue na luta contra o racismo de modo direto. Quando perceber que está havendo uma situação de racismo, interfira, denuncie, não deixe a pessoa negra sozinha nesse momento.
A lista seria longa, porém o objetivo não é cansar os leitores. Trata-se de lançar luz, mais uma vez, sobre o racismo como um problema a ser resolvido por todos e não só pelas pessoas negras. Ser antirracista é uma luta diária que precisa se expandir, ser prática e não ficar apenas nas falas horrorizadas ou na negação do racismo estrutural.
É preciso ser antirracista, se perguntar o que tem feito para diminuir o racismo que está presente ao seu redor e agir. Nas palavras de Angela Davis: “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista!”.
_____________________________________________________