No mais frio inverno, no mais chuvoso verão, enquanto a população maringaense dorme, voluntários anônimos sacrificam o descanso e o lazer para levar conforto a doentes, carentes e moradores de rua; a quantidade de pessoas que se dispõem a ajudar os desvalidos é cada vez maior em Maringá
Luiz de Carvalho
Quem não sai na noite maringaense talvez não tenha percebido que dezenas de pessoas, a maioria moradores de rua, tomam banho, trocam de roupas, jantam, ganham abraços e bate-papo em plena praça no centro da cidade. E isto acontece também durante o dia, como na “loja” em que moradores de rua escolhem a melhor roupa, vestem ali mesmo e ainda levam outras para os próximos dias.
A Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Sasc) e o Provopar não sabem quantas pessoas realizam trabalhos sociais em Maringá, mas sabem que o número é maior do que o de habitantes de muitas cidades da região. São tantos grupos atendendo moradores de rua que em uma volta rápida pelo centro de Maringá, em uma noite qualquer, pode-se encontrar até 10 diferentes equipes, umas servindo marmitas, outras se oferecendo para cortar cabelos e barbas, algumas distribuindo roupas, outras cobertores e há até banheiros ambulantes para que os interessados tomem banho quente.
Cadastrados nos dois órgãos são cerca de 150 grupos, mas estes são apenas os que têm registro formal, como as associações filantrópicas e clubes de serviço. Os demais grupos não têm qualquer formalidade, não tem membros definidos e nem compromisso de fazer apenas um determinado tipo de serviço.
“Além das equipes que trabalham à noite, atendendo pessoas que vivem nas ruas, há voluntários atendendo pessoas doentes, organizando campanhas, cuidando de documentação, doando brinquedos para crianças de famílias carentes, doando cestas básicas, trabalhando em eventos que visem arrecadar fundos para obras sociais”, diz a coordenadora do Programa do Voluntariado Paranaense (Provopar) em Maringá, Rosângela Danielides. Segundo ela, a maior parte deste pessoal não quer publicidade e nem busca reconhecimento, quer apenas ajudar o próximo. “Nesta semana, uma importante casa noturna realizou uma ação interna e doou a carentes grande quantidade de roupas”, citou.
“Estas pessoas muitas vezes estão sacrificando parte de seu horário de trabalho, os momentos em que poderiam estar com a família, se divertindo com os amigos ou simplesmente descansando, mas preferem fazer alguma coisa por quem precisa”, disse o jornalista e escritor Rogério Recco, um dos integrantes do grupo Amigos Solidário Maringá. Segundo ele, o trabalho tem hora para começar, mas ninguém sabe quando poderá voltar para casa. Na última terça-feira, os amigos solidários trabalharam até 2h30 da madrugada nas ruas.
“Mas, há muito serviço para ser feito durante o dia. A noite entregamos as marmitas, mas durante o dia temos que correr atrás de doação dos gêneros alimentícios que serão preparados por restaurantes que também participam da ação”, diz Vandré Fernando, um dos líderes do Amigos Solidários. O grupo tem mais de 150 participantes, que colaboram com com entidades e atividades de filantropia e dele já nasceram outros grupo solidários.
Dia de loja
Em um sábado, mais de 2 mil pessoas participaram no Centro de Convivência Renato Celidônio da Street Story, uma loja criada para moradores de rua por iniciativa do grupo Voluntários Maringá e realizada em parceria com a RPC TV/Globo. Na loja ninguém precisou de dinheiro. As roupas, expostas em araras e cabides semelhantes aos dos bons magazines, eram de graça e o “cliente” ainda podia levar outras em sacolas padronizadas. Na saída, o “cliente” tinha à disposição barbeiros, cabeleireiros e manicures para completar o trato no visual. As crianças tinham à disposição um parque de infantil, algodão doce e pipoca.
O Voluntários Maringá existe há quatro anos e realizou a Street Story pela terceira vez. Segundo seu coordenador, Gustavo Lima, de 28 anos, o trabalho é muito mais amplo e constante, como a participação em projetos de instituições como a Apae e na colaboração com outros grupos de trabalho solidário.
Banho na praça
Um grupo de voluntários ligados à 9ª Igreja Presbiteriana Renovada, do Jardim Alvorada, depois de várias noites servindo marmitas nas ruas, chegou à conclusão que já existiam muitas equipes fazendo o mesmo serviço e procurou outro meio de oferecer dignidade aos moradores de rua. “Criamos o Banho Fraterno, muito útil durante o inverno, pois além de aquecer o corpo leva conforto ao coração”, diz o pastor Cristiano Firmino.
A própria equipe pagou R$ 14 mil na comprou do material e construiu dois banheiros, aquecidos a gás, que são levados em uma carreta para a Praça Napoleão Moreira da Silva, ficando à disposição de quem quer um banho quente. Além disto, os voluntários oferecerem corte de cabelo e barba e servem alimentos. Ao sair, o morador de rua recebe um kit com sabonete, escova e pasta de dente e roupas. “Vai muito além de lavar o corpo. Não tem ouro que pague o conforto que recebemos com um ato solidário como este”, disse Jean Pierre, usuário de drogas que passa as noites próximo ao terminal rodoviário.
Anônimos e invisíveis
Segundo o Provopar, há grupos de todos os tamanhos e alguns que sequer têm nome. É o caso de um grupo de rapazes e moças da 1ª Igreja Batista que distribui kits de inverno, material de higiene e sopa, muitos comprados com seus próprios recursos. “A gente sonha em atender aos pobres da África ou do Nordeste, mas muitas vezes a miséria é nossa vizinha”, diz o engenheiro André Martinelli, coordenador do trabalho.
O Grupo Domingo Feliz tem apenas quatro membros, Diego Galvani, Renato Miranda, Lucas França e Carlos Eduardo Piffer, e trabalha com famílias que estão vivendo algum drama, principalmente provocados por doenças. Uma das estratégias dos jovens são os almoços solidários, realizados no Restaurante Gourmet, no antigo Pérola Shopping, para arrecadar dinheiro para ajudar pessoas com câncer.
Outro trabalho do Domingo Feliz é realizado em portas de hospitais. “Muitas vezes a pessoa vem outra cidade para acompanhar algum doente e fica sem ter onde comer”, diz Galvani.
Há voluntários trabalhando todos os dias nas ruas de Maringá, muitos deles anônimos, alguns praticamente invisíveis à vista da população. “É cansativo sim, precisamos sacrificar outras coisas, mas é indiscritível a experiência de trabalhar com quem precisa de nós”, diz Galvani. “Tem muita coisa ainda a ser feita”, diz Martinelli. “É uma bola de neve. Quanto mais se faz, mais percebe-se que há o que precisa ser feito. E alguém tem que fazer, mas poucos se habilitam”.
“Vai muito além de lavar o corpo. Não tem ouro que pague o conforto que recebemos com um ato solidário como este”.
Jean Pierre, morador de rua