ciclovia em Maringá

Aniceto Gomes da Silva, que achou pacote de dinheiro e devolveu ao dono, vira nome de ciclovia em Maringá

O garoto Aniceto virou amigo de Sir Arthur Thomas, veio para Maringá por conta dessa amizade e ficou porque Mr. Thomas lhe deu uma padaria de presente

 

A ciclovia no canteiro central da Avenida Brasil, que corta o Centro de Maringá desde o Maringá Velho e continua na Avenida Gastão Vidigal em direção à região conhecida como Cidade Alta, vai ganhar o nome de um pioneiro que estava em Maringá desde antes da existência do Maringá Velho e que viu a abertura da Avenida Brasil desde a derrubada da primeira peroba: Aniceto Gomes da Silva, que chegou em 1942, ajudou na abertura da primeira pensão no meio da mata, viu a chegada dos compradores de terras, depois, dos pioneiros e a abertura do Maringá Novo.

 

A decisão de homenagear “seo” Aniceto com nome na ciclovia vem da Câmara Municipal, que na sessão de terça-feira aprovou por unanimidade a homenagem ao desbravador.

ciclovia em maringá

Aniceto Gomes com a filha Bete no dia em que comemorava 94 anos

 

Segundo o vereador Cristian Marcos Maia da Silva, o Maninho (PDT), autor do projeto, Aniceto Gomes foi uma pessoa que soube amar Maringá. Ele veio para a mata por necessidade de trabalhar, mas ajudou a começar uma cidade, se apaixonou por ela desde o começo e o garoto de 19 anos acabou ficando para sempre, vivendo em Maringá por 74 anos e só se separando da cidade ao morrer, aos 94 anos.

 

Aniceto faleceu em 2016 quando visitava uma filha, genro e netos em Manaus, no Amazonas, mas deixou em Maringá uma história de quem realmente tem o espírito do desbravador.

 

Quando chegou, só encontrou mata fechada. Mas, no meio dessa mata tinha uma pensão construída com troncos de madeira retirada dessa mata. A Pensão Campestre, dirigida por José Ignácio da Silva, o Zé Maringá, foi inaugurada dois dias após a chegada de Aniceto, que se empregou como garçon.

 

Na verdade, Aniceto não escolheu vir para a mata. É que algum tempo antes, depois de sair do seu Caruaru, no sertão pernambucano em busca de emprego para sobreviver, ele trabalhou num hotel onde ocorreu um incidente engaçado e estranho.

 

Foi o seguinte: o jovem terra-seca (era assim que os nordestinos eram chamados em São Paulo dos anos 40) foi arrumar o quarto e achou um pacote esquisito. Percebeu que o cliente que acabava de desocupar o quarto tinha esquecido e saiu correndo pela rua, tentando alcançar o descuidado hóspede.

 

Não alcançou, mas alguém disse que o tal homem, junto com uns fazendeiros de Minas Gerais, acabara de embarcar no trem. O garoto correu tanto que alcançou o trem, entrou e saiu procurando de vagão por vagão.

 

Achou o descuidado numa roda de elegantes senhores, de terno, gravata e panamá. Naquele tempo os homens elegantes e ricos também viajavam de trem. Entregou o pacote ao homem que nem sabia que o tinha perdido.

 

O homem ficou espantado com o esforço do garoto para alcançá-lo, mas mais espantado ainda em se tocar que tinha deixado para traz um pacotão de dinheiro, muito dinheiro, dinheiro graúdo. Decidiu recompensar seu salvador e, abrindo o pacote, tirou um maço da bufunfa, dividiu em dois e deu um deles ao garoto.

 

O pernambucaninho sentiu aí o porquê de na sua terra dizerem que São Paulo é lugar de fazer fortuna.

 

O assunto ganhou fama no hotel, foi comentado em todo o quarteirão, nas esquinas, nos botecos, em outras regiões de São Paulo, chegou a Garanhuns, cruzou para outras cidades de Pernambuco e cruzou o Atlântico e chegou traduzido ao milionário investidor britânico Sir Arthur Thomas, que comandava um grupo de empreendedores na compra de terras mundo a fora.

 

Thomas e seus sócios eram donos de uma companhia que tinha adquirido cerca de um quarto do Estado do Paraná e pretendia abrir alguns milhares de fazendas de café. E, para atender seus fazendeiros, construiriam cidades em pontos estratégicos.

Essa companhia de Sir Thomas já tinha construído Londrina, Arapongas, Apucarana, Rolândia, Cambé, Jandaia do Sul e Mandaguari. O passo seguinte seria começar uma cidade que se chamaria Maringá, cujo nome era uma referência a uma famosa música que falava de uma seca ocorrida no Nordeste, que expulsou muita gente em direção a São Paulo. Algo a ver com o garoto de Garanhuns?

Talvez honestidade e presteza andassem meio escassos nas terras britânicas, tanto que mister Thomas, que tinha viagem marcada para o Brasil, para acompanhar seus negócios, fez questão de conhecer Aniceto Gomes. E conheceu, elogiou sua honestidade, falou de sua admiração de deu-lhe um cartão com algumas coisas escritas.

É claro que essa conversa não foi bem assim, porque Arthur Thomas não falava Português e Aniceto não sabia nem o que era ailóviiú. E nem sabia o que estava escrito no cartão, mas alguém lhe disse que estava em Inglês. Não leu, mas guardou.

Tempos depois, Aniceto teve um desentendimento com o dono do hotel em que trabalhava e se demitiu. Ou foi demitido, ninguém sabe. O fato é que foi embora, estava procurando outro emprego, mas não tinha nenhuma especialidade, a grana da gorjeta já tinha acabado e bateu até a ideia de voltar para Garanhuns.

Procurando algum trocado na carteira, deu de cara com o cartão de Arthur Thomas. Mas, não conseguia lê-lo. Teve que recorrer a alguém mais letrado e ficou sabendo que ele tinha um emprego garantido numa empresa chamada Companhia Melhoramentos.

Só que o emprego não era naquele escritório elegante do Centro de São Paulo. Era para ele – empregado, é claro – viajar até uma cidade que ele nunca ouvira falar, chamada Londrina, no norte do Paraná, dois dias de viagem por estradas esburacadas e jardineira lotada de gente em busca de oportunidade na terra nova.

Em Londrina, seus novos patrões o mandaram adiante. Não era naquele escritório bonito, era mais adiante: era num lugar que ainda não existia, mas já tinha nome: Maringá.

Ninguém sabe direito como ele viajou, pois não existia estrada. O que tinha era uma picada na mata por onde gente da própria Melhoramentos passava carregando instrumentos de topografia para a medição de terras.

Em Maringá, daí a dois dias seria inaugurada a Pensão Campestre, onde os trabalhadores da Melhoramentos se hospedariam, assim como os corretores da Melhoramentos e os possíveis compradores de terras para abrir fazendas.

Aniceto virou garçom. Queria ir embora daquela mata que só tinha bichos e muriçocas, mas se apaixonou pela terra roxa que transpirava fertilidade, abundância de alimentos, riqueza, uma terra que ele, acostumado com as secas do Nordeste, sabia que em se plantando tudo dá. E foi ficando.

Mais uma vez Mr. Thomas cruzou seu caminho. Um dia, o milionário e uma comitiva de homens de ternos e panamá, alinhados e empoeirados, apareceram de carro fechado – aí já tinha estrada, poeirenta e esburacada, mas era uma estrada.

Todos só falavam das maravilhas da terra roxa das matas de Maringá – Aniceto achava que era isto que falavam, em Inglês, pois a toda hora mostravam a terra e riam. Mas, em dado momento, Mr. Thomas ficou bravo e começou a esbravejar – era em Inglês, mas Aniceto entendeu que eram xingamentos. Ele esbrevejava “brédi”, “brédi”.

No final, o garçom ficou sabendo que a ira do britânico era porque tinham esquecido de trazer pão.

Aniceto nem sabia que ingleses gostavam de pão, nem que tipo de pão conheciam. Mas, o garçom tentou acalmar o homem prometendo que faria um “brédi”. Afinal, ele fazia pães para o café da manhã dos hóspedes da pensão de Zé Maringá, que na verdade pertencia à Melhoramentos.

Arthur Thomas gostou do bread, mas gostou mais ainda da presteza do rapaz, aquele mesmo rapaz que correu atrás de um trem para entregar um pacote de dinheiro a um desconhecido. Então, chamou Aniceto e disse: vou mandar demarcar aquele terreno, aquele ali, vou te dar o material para construir uma padaria e quando estiver pronto você vai ganhar também o material para começar a trabalhar.

É lógico que o pernambucaninho não entendeu nada. Até que alguém traduzisse.

Mas, foi assim que nasceu a primeira padaria de Maringá. Além, Aniceto Gomes da Silva ganhou dinheiro, casou-se com a vizinha Tiana (Sebastiana Periotto), comprou fazenda e, quando a companhia de Mister Thomas abriu o Maringá Novo, ele comprou um terreno no centro e construiu o Hotel Lincoln.

Aniceto e Tiana tiveram seis filhos, depois vários netos, dezenas de bisnetos. Maringá ainda tinha 68 anos quando ele já tinha 74 morando nela.

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