Núcleo Papa João XXIII

Após demolição, catedral velha foi para onde mais precisavam dela

As tábuas de peroba rosa da primeira catedral de Maringá serviram para a construção de um conjunto residencial para famílias pobres e ajudaram a mudar a vida de milhares de pessoas

Luiz de Carvalho

A antiga catedral de Maringá, construída em madeira retirada das matas que deram lugar à cidade, demolida poucos dias depois da inauguração da nova catedral, continuou  existindo de outra forma e cumprindo um papel social tão importante quanto antes. Ela foi transformada em casas para famílias carentes e nestes 50 anos fez a diferença para 1033 famílias que ganharam nova vida, dignidade e a possibilidade da casa própria.

Núcleo Social Papa João XXIII Maringá

Foto da Catedral Santíssima Trindade no ano de sua demolição Foto: Arquivo

Junto com a Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória, festeja 50 anos em 2022 o Núcleo Social Papa João XXIII, o projeto social que o bispo dom Jaime Luiz Coelho considerou a maior obra de sua vida. E foi e continua sendo a maior obra na vida de muitas outras pessoas.

O Núcleo é uma resposta aos críticos da demolição da catedralzinha dos pioneiros. Muitos acham que ela deveria ser conservada ao lado da catedral nova, servindo como museu que contasse a história da igreja em Maringá. Que não pensem que isso não passou pela cabeça sonhadora e sempre à frente do primeiro bispo de Maringá. Mas, ele não teve dúvidas no dia em que um grupo de freiras o procurou pedindo ajuda da igreja para famílias pobres que estavam criando uma favela em uma área rural na Estrada Mandacaru.

O bispo foi ao local com as freiras e encontrou cerca de 30 barracos improvisados, muitos construídos com madeira de engradados de bebidas, outros de pedaços de compensado, até barracos feitos com papelão de caixas.

Naquele momento ele decidiu que a catedral dos pioneiros teria continuidade, mas em forma de casas para quem precisava. Junto à prefeitura ele conseguiu a doação para a igreja de uma faixa de terra correspondente a oito quadras, voluntários elaboraram projetos, lojas doaram telhas, pregos e outros materiais e naquele mesmo ano de 1972, seis meses após a festa de inauguração da Catedral, dom Jaime inaugurou o conjunto de casas junto com o povo pobre que ia morar nelas, num importante trabalho de desfavelamento. Ele próprio definiu o nome: Núcleo Social Papa João XXIII.

Núcleo Social Papa João XXX dom Jaime

Casa de onde as irmãs administravam a ocupação das casas do conjunto

Projeto já atendeu mais de mil famílias

À madeira da antiga catedral foram juntados tábuas, caibros, mata-juntas e assoalhos de outras obras construídas pelos primeiros moradores, as escolas Visconde de Nacar e Castro Alves, do Maringá Velho, e foi possível construir 65 casas. Outras 10 foram feitas mais tarde.

Junto com as irmãs Filhas da Caridade, o bispo definiu que o Núcleo atenderia famílias em situação de vulnerabilidade social que tivessem crianças pequenas. Outras definições foram sendo adotadas com o tempo.  Hoje, 50 anos depois, 1.033 famílias já moraram nas casinhas de dom Jaime e todas saíram de lá em situação muito melhor do que quando chegaram.

Núcleo Social Papa João XXIII

O primeiro salão social da comunidade

Conquista da Casa Própria

Além da casa, atendimento, alimentação, cursos profissionalizantes, as famílias contam também com a assistência permanente feita pelas irmãs Servas Adoradoras da Misericórdia, que fazem visitas às casas, conversam com adultos e crianças e repassam à diretoria problemas que possam estar ocorrendo com alguma família para que providências sejam tomadas. O acolhimento e a atenção são partes importantes do projeto.

“O Núcleo Social Papa João XXIII é uma entidade de promoção humana. As famílias recebem a casa e toda ajuda que precisam, mas em contrapartida elas devem dar sua contribuição na construção de uma vida melhor”, explica a presidente da entidade, a professora universitária Loretti Girardi Hoffmann. Ela e o marido, funcionário aposentado do Banco do Brasil Hugo Hoffmann, estão há 37 anos na direção do Núcleo.

Núcleo Social Papa João XXIII

Casas grandes e confortáveis atendem famílias que tenham crianças em situação de vulnerabilidade Foto: Arquivo

Todas as famílias que moram nas 75 casas participam do programa Conquista da Casa Própria, uma garantia de que não ficarão desamparadas ao saíram do Núcleo. “As famílias entram para ficar na casa por cinco anos. Ninguém paga nada para morar e neste período cada família contribui para um fundo mútuo de poupança, depositando mensalmente o equivalente a 60% do salário mínimo vigente, dinheiro que essa família receberá ao sair, todo de uma vez e devidamente corrigido para que ela possa dar entrada na compra da casa própria ou mesmo construir uma moradia no terreno de algum parente”, explica. A maioria das mais de mil famílias que passaram pelo Núcleo conseguiu comprar ou construir uma moradia.

 

A força do voluntariado mudando vidas

Loretti e Hugo Hoffmann são voluntários, “mas estamos em cargos de direção porque a entidade precisa ter diretores, mas esse trabalho é feito a muitas mãos”, explica a professora. Ela conta que no ano 2000 foi iniciada a substituição das casas de madeira por construções em alvenaria e aí a força do voluntariado fez toda a diferença. Pessoas e empresas fizeram doações por meio do Fundo da Infância e Adolescência, o FIA, doações essas que são abatidas no Imposto de Renda, o município de Bréscia, na Itália, enviou dinheiro e só os membros do Ratary Club Maringá Colombo assumiram a construção de 30 casas.

O projeto social que dom Jaime considerou o mais importante de todos – e foram muitos – que ele iniciou foi reconhecido até pelo papa.

Núcleo Social Papa João XXIII

Os voluntários Loretti e Hugo Hoffmann recebem comenda do Vaticano ao lado do arcebispo dom Anuar Battisti, o padre Bruno Versari e o arcebispo emérito dom Jaime Luiz Coelho, idealizador do Núcleo Social Papa João XXIII

Em 2006, o papa Bento XVI agraciou o Núcleo Papa João XXIII, na pessoa de seus diretores Hugo e Loretti Hoffmann, com a comenda Insignia da Augusta Cruz Pro Ecclesia Et Pontifice “pelos importantes trabalhos conhecidos pela comunidade de Maringá. A condecoração aconteceu em cerimônia presidida pelo arcebispo dom Anuar Battisti e pelo arcebispo emérito dom Jaime Luiz Coelho, idealizador do projeto. Também participou o então padre Bruno Versari, hoje bispo de Campo Mourão.

Em nome de todos os voluntários que levam em frente o núcleo residencial criado por dom Jaime, Loretti e Hugo foram homenageados com títulos de Cidadão Benemérito de Maringá, outorgados pela Câmara Municipal em 2013.

 

Alguns números

1033 famílias passaram pelo Núcleo em 50 anos

75 famílias moram atualmente no Núcleo

320 pessoas

170 são crianças

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