Poeta, filósofo, escritor, linguista e professor da UEM por 40 anos, Benedito Vieira Telles trabalhou em paróquias de várias cidades da região de Maringá
Luiz de Carvalho
Maringá se despediu nesta semana do primeiro padre da cidade, o cônego Benedito Vieira Telles, de 93 anos, que morreu na madrugada de sexta-feira, 26, depois de passar vários dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de Maringá.
Em outubro do ano passado, o padre teve covid-19 e, mesmo com as vacinas em dia, chegou a ficar bastante grave e precisou do auxílio de um cateter de oxigênio para respirar.
Telles foi ordenado em 1960 pelo primeiro bispo da Diocese de Maringá, dom Jaime Luiz Coelho. Ele chegou a Maringá com 15 anos de idade, na década de 1940, com a mãe e os irmãos, cresceu na região hoje conhecida como Maringá Velho, ainda jovem foi para o seminário e tornou-se o primeiro maringaense ordenado padre.
Pioneiro de tudo
A história do padre Telles é cercada de fatos que fizeram dele “pioneiro em tudo”, como dizia brincando, a começar pela decisão de ser padre. Com nove anos de idade, ainda morando no distrito de Campo Místico, hoje cidade e comarca de Bueno Brandão, em Minas Gerais, ele disse à mãe que ia ser padre. A partir daí, o menino, que era o penúltimo de 12 irmãos, se dedicou à formação religiosa.
Como maringaense ele é também pioneiro. Ele e a família chegaram a Maringá em 1944, uma época em que a população se concentrava nos poucos quarteirões hoje conhecidos como Maringá Velho.
Em 1960, outro lance de pioneirismo. O jovem Benedito Vieira Telles retornava do seminário e foi o primeiro padre ordenado da Diocese de Maringá, pelo primeiro bispo, dom Jaime Luiz Coelho. Não só foi o primeiro ordenado, mas também o primeiro morador de Maringá a ser ordenado padre.
Após a ordenação, o padre Telles foi à cidade em que nasceu e rezou sua primeira missa na Matriz de São Bom Jesus da Pedra Fria, igreja em que foi batizado, crismado, fez Primeira Comunhão. Foi nessa mesma igreja que ele teve a decisão de ser padre.
Professor de João Paulo II
Muita gente, inclusive os religiosos, vai a Roma querendo ver o papa. O cônego Telles foi a Roma porque o papa queria vê-lo.
Telles sempre foi louco pelo saber e, por isso, estudo de tudo: Teologia, Filosofia, Filosofia Pura, Direito, línguas mortas e vivas. Foi professor na Universidade Estadual de Maringá (UEM) desde antes de ela existir e lá ficou quase 40 anos.
Quando fazia mais um curso na Europa, foi procurado por um bispo com o recado que o papa queria vê-lo. Assim que chegou ao Vaticano, foi recebido pessoalmente e festivamente por João Paulo II, que o avisou que ele, Telles, seria seu professor de Português por indicação de outros religiosos próximos ao papa.
Cônego Telles conta sua história
Em 2016, o Cônego Benedito Vieira Telles foi entrevistado pela jornalista Fabiana Ferreira para a Revista Maringá Missão, da Arquidiocese de Maringá. Veja a entrevista:
Revista Maringá Missão – Como foi o seu chamado à vocação sacerdotal?
Cônego Benedito Vieira Telles – Nasci no Distrito de Campo Místico, hoje, cidade e comarca de Bueno Brandão – MG, em 04 de novembro de 1928. Filho de pais católicos praticantes de Luiz Vieira Telles e Maria da Conceição Telles. Éramos doze irmãos; eu antepenúltimo filho. Aos domingos, íamos à Missa na Matriz de São Bom Jesus da Pedra Fria, igreja em que fui batizado, crismado, fiz Primeira Comunhão. Nesta matriz rezei a Primeira Missa solene, em 16 de julho de 1960, às 10 horas, em Ação de Graças pelo chamado ao sacerdócio. Dia inesquecível, memorável. Presentes à Primeira Missa, mamãe, irmãos, parentes, amigos e colegas de infância, incontáveis conterrâneos e o Povo de Deus. Monsenhor José do Patrocínio, amigo da família, pároco de Socorro – SP, orador sacro, fez o panegírico, ao saudar o primeiro filho padre, da cidade de Bueno Brandão.
Naquele altar-mor, celebrava as primícias sacerdotais, onde me nasceu vocação sacerdotal, em que ajudava como coroinha a santa Eucaristia, numa sexta-feira santa, ouvia a pregação eloquente de pároco, Dr. Padre José João do Rego Monteiro, renomado tribuno e advogado. Cheguei a casa, mamãe, às voltas com assados e quitandas para o Sábado Santo e Domingo de Páscoa da Ressurreição.
Alegre, muito feliz, disse à mamãe:
– Tenho-lhe grande surpresa.
– Qual, filinho?
– Vou ser padre!
Mamãe me abraçou. Suas lágrimas roçaram-lhe no rosto. Alegria? Tristeza? Emoção? Papai havia falecido, repentinamente. Ela concluiu: Faça-se a vontade de Deus, meu filho! Que Deus te abençoe. Em 29 de junho de 1945, cheguei ao Seminário dos padres da Congregação Salesiana, em Lorena – SP. Naquele dia, começou-me a caminhada ao sacerdócio. Porém, na retaguarda, alguém especial rezava por mim: a inesquecível mamãe. Certo dia, lendo um livro, deparei-me com a citação: “A vocação sacerdotal é um de Deus, dom que passa antes pelo coração da mãe” (Cardeal Shuard, de Paris). Entendi aquelas lágrimas, roçando-lhe o rosto… eram de alegria por oferecer um filho ao ministério sacerdotal.
RMM – Ao chegar à Maringá, o que havia na diocese?
Cônego Telles – Concluídos os estudos de Filosofia e Teologia no Seminário Maior São José, Rio de Janeiro – DF, fui ordenado sacerdote por dom Jaime Luiz Coelho, em 29 de junho de 1960, na primeira catedral de madeira, cujo bispo de Maringá ordenava o primeiro padre da Diocese. Trazia no coração esperança missionária à terra fértil, vermelha, o chão onde semearia o Reino de Deus. Fui nomeado vigário coadjutor da catedral, Secretário do Bispado, Chanceler da Cúria Diocesana. Implantei pastorais na catedral: catequese paroquial e nas escolas, Obras das Vocações Sacerdotais, cujas vocações floriram e a Igreja tem em suas fileiras um pugilo de sacerdotes, fruto de trabalhos com o Apostolado da Oração, sob a presidência da saudosa Dª. Aparecida Veroneze. Ia mensalmente às capelas dos distritos de Maringá, zonas rurais, banhar-me de poeira vermelha, encravar no barro pegajoso, para dar-lhes assistência espiritual. Fundamos o Movimento Familiar Cristão e outros. ´
Vago o curato da catedral, fui nomeado Cura da Catedral de Maringá. Pároco por quase nove anos. Fui transferido para a humilde paróquia de Inajá, cidade que me deixou saudade. Depois, fui pároco em Guairaçá, Atalaia, comunidades desta arquidiocese. Exerci o magistério de Direito na Universidade Estadual de Maringá até a aposentadoria e Unicesumar.
RMM – O senhor teve momentos desafiadores ao longo dos sessenta e seis anos de sacerdócio?
Cônego Telles – Alguns – mas vencidos. Quem de nós não passou pelo vale de lágrimas… chegando, às vezes, a gritar ao Pai, como Jesus o fez na Cruz: “… afasta de mim este cálice”. (Mc 14, 36). Súplica que ecoa nos corações aflitos dos que abraçam a cruz.Com fé, fui às pegadas do Mestre; com Ele tudo vencera, quando se posta de joelhos, perseverante em oração no trabalho e nos estudos.
RMM – Quais as alegrias que o ministério sacerdotal lhe traz?
Cônego Telles – Inumeráveis. A de ser fiel ao chamado à Seara do Senhor. Desde o primeiro chamado, a semear a Semente, a Palavra de Deus, a “semen Dei verbum”.( Lc 6, 11) De enviar à Igreja vocações sacerdotais e religiosas. De prelecionar na UEM (Universidade Estadual de Maringá) a centenas e centenas de futuros causídicos/as, militantes nos Fóruns do Brasil, ilustres Presidentes dos Tribunais, Juízes Federais, Procuradores da República, Desembargadores, Advogados, Bacharéis em Direito, Economistas, Contabilistas e Administradores de Empresas.
RMM – Ao completar 56 anos de sacerdócio (29/06/16), que visão o senhor tem da Igreja?
Cônego Telles – De Igreja dinâmica, desde o Ide e ensinai a todos os povos… mandado de Jesus aos apóstolos e aos de hoje também. De uma Igreja encarnada em seu tempo, aculturada, de saída, missionária, desburocratizada, fora da sacristia, em busca de ovelhas. Nesta arquidiocese, vejo-a preocupada, igreja líder hierarquicamente em comunhão com o Papa Francisco e a CNBB. Uma igreja em comunhão entre nós sacerdotes e arcebispo dom Anuar Battisti, os Diáconos.
RMM – A arquidiocese de Maringá, completando 60 anos. Que sentimento tem ao fazer parte desta história?
Cônego Telles – De ter sido a primeira minúscula semente autóctone dos atuais presbíteros formados pela arquidiocese. De alegria, ao ter a diocese, somente, 3 anos de instalação e recém-ordenado iniciava atividades pastorais na diocese, criada pelo Papa Pio XII, nomeando o primeiro bispo, Dom Jaime Luiz Coelho, com quem trabalhei assiduamente. Maringá, diocese carente, faltava tudo. Dom Jaime dizia o que encontrou aqui: ‘Tudo para se fazer. ‘Maringá não existia no mapa do Paraná, ao ser eleito bispo’. Fiz parte da construção do Seminário Diocesano Nossa Senhora da Glória, da Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória. Pároco da catedral provisória; que a atual encontrei no alicerce, para alçar vôos a 124 metros de altura. Colaborei na Folha do Norte do Paraná, imprensa diocesana e outras obras, que constam em Livros Tombos das paroquiais que administrei.
RMM – Que mensagem gostaria de levar à arquidiocese, às pessoas, em geral?
Cônego Telles – Orgulho-me de pertencer à igreja Particular de Maringá desde seus primórdios, ao residirmos em Maringá desde 8 de dezembro de 1944. Confesso:vale a pena ser padre. Estudei muito e, preparei-me em universidades brasileiras e europeias para servir a Deus, realizar sonhos. Renunciei o mundo, estando nele, porém, a serviço do Senhor.
Jovem, venha às pegadas de Jesus; não tema de lhe dizer o sim generoso, incondicional, quando for chamado à sua vinha. A messe é grande, somos tão poucos operários. Deixe-lhes as redes na praia, como os Apóstolos. Caminhe, busque almas, deixe o resto para trás.
Pais, o lar é o primeiro seminário onde se forjam vocações. Deus busca seus operários nas famílias religiosas, onde é o berço das vocações. Ser padre, que graça de predileção de Deus! Este Pai maravilhoso, queridos pais e filhos, nunca faltará com as bênçãos e graças aos corações generosos. Sigo minha trajetória / pelos caminhos, cantando./ No coração, trago a história / desde que O segui, sonhando.