Luiz de Carvalho
Maringá ganhou sua primeira casa em alvenaria em uma época em que ainda não tinha engenheiro e nem construtor, o centro ainda era um ou outro casebre em uma área povoada por gigantescas perobas e a maioria dos bairros estava apenas no papel. Não tinha também boa parte do material necessário para a construção.
Isso foi há 75 anos e se na época a primeira casa de alvenaria foi considerada uma mansão, ainda hoje ela é um exemplo de casa bem projetada e arranca elogios por sua beleza. A diferença é que a casa que era a única em um bairro, em meio a um descampado e na divisa com a mata virgem, hoje está cercada por arranha-céus e alguns dos mais importantes estabelecimentos comerciais.
O ano era 1949 quando correu a notícia de que alguém havia encomendado 35 metros cúbicos de pedra bruta para fazer um alicerce e grande quantidade de tijolos e telhas à cerâmica de Valdemar Barbudo. “Quem será esse ricaço?”, perguntavam. O ricaço era o agente de terras Milton Gonçalves Campos, que recebia a generosa comissão de 1% por toda terra que a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná vendesse entre Mandaguari e Guaíra. Com a visão de que a cidade não se limitaria ao Maringá Velho e Avenida Brasil, ele comprou um terreno exatamente onde acabava a Zona 1, que depois passou a ser chamada de Centro. Na esquina das ruas Luiz de Camões e Luis Gama. Não existia viva alma por perto. Aos fundos do terreno, um descampado, na frente, uma mata que ia até o Mato Grosso, como diz seu filho Emir Alan Campos seis décadas depois.
O projeto era ambicioso: 240 metros quadrados, para abrigar os 12 filhos do casal Milton e Antonieta Zorzi Campos. Mas, as dificuldades seguiam na mesma proporção: a cidade ainda não tinha engenheiro ou arquiteto e Milton teve que ir a Mandaguari encontrar quem assinasse a planta. O engenheiro aceitou fazer o projeto, mas não quis arriscar fazer o teto como foi encomendado. O teto, cheio de reentrâncias e ângulos, foi bolado pelo próprio Milton, que teve que se responsabilizar caso não desse certo; depois não tinha quem construísse. A cidade ainda não tinha pedreiros e Campos acabou se valendo do trabalho de um rapaz que trabalhava para a Companhia Melhoramentos; quase todo o material teve que vir de outros Estados em uma época em que as estradas eram precárias. A escada da entrada e a lareira foram construídas em mármore de Carrara vindo da Itália, seguindo projetos trazidos pelo desbravador do interior do Paraná Lord Lovat (Simon Joseph Fraser), um conde inglês que foi um dos principais responsáveis pelo povoamento do norte e noroeste paranaenses.
Com sua aparência de castelo, com porão, sótão e dutos para a passagem de ar, a casa ganhou uma espécie de bosque na frente, muro recortado – enquanto outras casas eram cercadas por balaustres –, um aquário com diferentes espécies de peixes ornamentais e passou a ser a casa dos sonhos dos primeiros maringaenses. Nos finais de semana, muitas pessoas desfilavam na frente para admirar a beleza da casa dos Campos. Ali, Milton e Antonieta viveram todos os dias de suas vidas, criaram os 12 filhos, alguns hoje bastante conhecidos em Maringá, como Paulo Erasmo, proprietário da Lotérica Mina de Ouro, a advogada Wilmaley Campos, Emir Alan e Loidelane Campos, proprietária de uma academia de tênis.
Depois da morte do proprietário, houve um movimento para tombar a casa dos Campos ao patrimônio público, mas os herdeiros não aceitaram, até porque eles próprios têm a mansão, que leva o nome de Vivenda Antonieta, em homenagem à mãe, como um patrimônio que jamais será mexido. Não há interesse em vender, é um monumento à memória do pioneiro que ousou acreditar no crescimento da cidade, que ousou dar à família uma casa à altura de sua dedicação, como diz o filho Paulo.
A pioneira casa dos Campos continua impávida e chamando a atenção, em frente o Centro Português, onde funciona o Restaurante Baco.
Amigo de infância de Ataulfo Alves
Quando o cantor Ataulfo Alves canta “Eu igual a toda meninada / quanto travessura eu fazia” na música “Meus Tempos de Criança”, pode estar falando também de Milton Campos, que também era mineiro da pequena Miraí e certamente também lembrava da professorinha que ensinou o be-a-bá.
Os dois foram contemporâneos e com pouca diferença de idade e foram amigos até depois de adultos. Na década de 40, o garoto negro que fazia versos e compunha sambas foi fazer sucesso no Rio de Janeiro com músicas como “Ai, que saudade da Amélia”, “Atire a primeira pedra”, “Laranja madura” e “Meus tempos de criança”. Milton veio vender terras no Paraná e ajudar a criar uma nova cidade, que hoje tem 30 vezes mais moradores do que Miraí.
O pioneiro Milton Campos morreu em 1985 com 80 anos, cercado pelos filhos e netos e os muitos amigos que angariou desde que nasceu a cidade de Maringá.
(Matéria publica em O Diário em outubro de 2009)
.