Santo Daime

Santo Daime, o chá misterioso do Céu de Santa Fé, conquista adeptos na região

Religiosos têm sítio em Santa Fé para produção de plantas que são base da Ayahuasca, conhecida como o ‘chá do Santo Daime’. Uma igreja foi fundada no local

Texto: Rubia Pimenta
Fotos: João Cláudio Fragoso
Matéria produzida para o jornal O Diário 

Poucos sabem, mas a cerca de 50 km de Maringá, em um pequeno sítio chamado Céu de Santa Fé, na divisa entre os municípios de Santa Fé e Iguaraçu, na Regiãoi Metropolitana de Maringá, existe um centro de distribuição de Ayahuasca – bebida utilizada em rituais religiosos como Daime, União do Vegetal, Barquinha, entre outros.

A polêmica bebida, que é sagrada para seus fiéis, mas apontada como alucinógena por alguns médicos, é produzida em grande escala no sítio para distribuição exclusiva a grupos religiosos do Brasil e dos Estados Unidos. A produção não tem fins lucrativos. “Cobramos entre R$ 40 e R$ 60 o litro, dependendo da colheita. O dinheiro é destinado apenas para manutenção dos nossos trabalhos”, explica um dos responsáveis pela confecção da bebida, Anderson Augusto Messa, 30 anos, membro do Santo Daime e estudante de Agronomia. 

A bebida é produzida por meio de duas plantas: a chacrona (ou rainha) e o cipó jagudo. No sítio, que possui 8,5 alqueires, existem mais de seis mil pés dos vegetais. A bebida é confeccionada três vezes ao ano. Em julho de 2013 foram feitos 1.200 litros de Ayahuasca. O plantio é feito por meio de técnicas agroecológicas, com irrigação e sem utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas. “Antes aqui era só pasto, hoje as árvores prosperam. É gratificante ver o que construímos”, fala Messa. 

A fabricação da bebida é um processo artesanal que demora cerca de 15 dias para ser concluído, e demanda ajuda de aproximadamente 40 pessoas. “Quando iniciamos a fabricação, voluntários de todo o Brasil vêm nos ajudar”. Messa conta que o cipó é amassado e cozido junto com as folhas da chacrona. Em seguida o líquido passa por sucessivos processos de condensação. “As mulheres se responsabilizam pela limpeza e por colher as folhas, enquanto os homens cortam e amassam o cipó, e fazem o cozimento. É uma tradição”.

Como a bebida começou a ser exportada, um novo local para a produção está sendo construído, obedecendo as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O espaço possui uma fornalha com quatro bocas, triturador e panelas com que pesam mais de 120 kg. Após fermentada, a Ayahuasca é embalada a vácuo, colocada em recipientes e enviada aos grupos, espalhados por São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Oklahoma (EUA). “Somos uma associação. Fornecemos a bebida somente aos grupos filiados”, explica Messa.

A história do Céu de Santa Fé


O Céu de Santa Fé surgiu por iniciativa de um grupo daimista de Curitiba, há oito anos. “Sentimos a necessidade de produzir a bebida, mas o clima lá não é propício para as plantas. Um dos nossos irmãos tinha essa propriedade e a doou para a igreja. Assina nasceu a associação”.

Messa é funcionário da associação junto com Emanuel Lopes Cardoso, 35 anos. Cardoso nasceu em Boca do Acre (AM) e participa do Daime desde os 10 anos de idade. Ele foi convidado a morar no sítio para ensinar as técnicas da confecção da bebida. “Consumo desde criança. Minha mãe tomava mesmo quando estava grávida. Antes do meu parto ela tomou a bebida, e meu nascimento foi tranquilo”, conta.

Os dois deixaram família e amigos para morar no sítio e se dedicar exclusivamente ao Daime. “Faço Agronomia justamente para melhorar a técnica”.

 

Ciência não é conclusiva

Mais de 50 povos indígenas e pelo menos três religiões brasileiras utilizam a Ayahuasca em seus rituais. Há duas décadas, pesquisadores de diversas universidades se debruçam para tentar responder se o uso da bebida seria benéfico ou maléfico para o organismo. Um dos maiores especialistas no assunto no Brasil é psiquiatra Jaime Hallak, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, onde coordena um centro de pesquisa sobre o tema. Em entrevista ao portal UOL, ele diz que o que existe de concreto até o momento são estudos preliminares que evidenciam alguns benefícios à saúde, especialmente como antidepressivo a ansiolítico (diminuir a ansiedade), e no tratamento de dependentes químicos.

Os especialistas, no entanto, criticam o uso da bebida de forma deliberada. “Como não existem pesquisas sobre o uso em organismos em formação, a bebida é contraindicada para crianças e grávidas”, fala a psicóloga Suely Mizomoto, autora de uma dissertação sobre o assunto na USP. Outros estudos condenam a Ayahuasca para pessoas com transtornos psiquiátricos, hipertensos e cardíacos, pois a bebida causa um leve aumento na pressão arterial.

A substância costuma também causar náuseas, vômitos e até diarreia na primeira vez que é utilizada. Por conta desses sintomas, o psiquiatra Arthur Guerra alerta os usuários. “São necessários mais estudos para que possamos compreender seus efeitos na saúde em longo prazo”.

Para a psicóloga, a Ayahuasca não pode ser considerada uma droga alucinógena. “Ela não causa dependência e nem visões. É uma substância de interiorização, expansão da consciência”. Ela estudou um grupo de pessoas que utilizava a bebida com frequência e constatou que a bebida auxiliou na experiência de cura espiritual, causando mudanças no estilo de vida dos usuários. “A ruptura de velhos padrões, com a adoção de outros novos e saudáveis, causou reflexo no combate ao risco de dependências da nicotina, álcool, maconha e cocaína”.

Na esfera da afetividade, a Ayahuasca, segundo Suely, serviu como uma espécie de antidepressivo, ou como a psicóloga conta, “aqueles que faziam parte dos rituais diziam ter os períodos longos de tristeza cada vez menores e mais raros, como se a Ayahuasca fosse equivalente a um ‘banho de serotonina’”.

Para Suely, a substância só pode ser estudada dentro do contexto religioso. “A bebida é apenas um dos instrumentos utilizados neste processo, pois é preciso considerar também a inserção do indivíduo no grupo, e o apoio que ele recebe nesse meio”.

Membros negam alucinação

“O Santo Daime cristianizou a bebida dos indígenas”, explica um dos integrantes do grupo Céu de Santa Fé, Anderson Augusto Messa. No sítio foi construída uma igreja, que é frequentada por cerca de 25 pessoas, sendo a maioria de Maringá.

Conforme a doutrina, Mestre Irineu, fundador da religião, teria experimentado a bebida com indígenas peruanos, e após ter recebido orientações da Virgem Maria, incrementou elementos do catolicismo, como a devoção aos santos, da Umbanda, Espiritismo e cultura indígena.

Messa afirma que a Ayahuasca não é alucinógena. “Ninguém vê ou ouve coisas. A bebida é sagrada pois propicia um encontro com o nosso subconsciente, levando a um autoconhecimento”. Os integrantes ressaltam que a bebida é enteógena (do grego “interiorização divina”). “Ela facilita um estado profundo de meditação, interiorização. Por meio dela é possível conhecer nossos maiores defeitos e qualidades”.

O estudante ressalta que a bebida não vicia. “Ela só pode ser consumida durante os rituais, que ocorrem semanalmente, e mesmo assim em pequenas quantidades, cerca de 50 ml. O gosto é tão amargo, que ninguém tem vontade de repetir a dose”, afirma.

Os encontros do Santo Daime são fortemente marcados pela música, com cantos e instrumentos musicais, como violão, flautas e maracás (uma espécie de chocalho). Existem os rituais onde são permitidos iniciantes, e os chamados “trabalhos de cura” e “bailados”, estes últimos costumam durar até 12 horas.

Segundo Messa, é comum os iniciantes passarem mal na primeira vez que consomem o chá. “Alguns vomitam, têm diarreia, outros choram, é um processo de purificação. Mas sempre há os irmãos mais experientes para ajudar nestes momentos. Nas vezes subsequentes há apenas a meditação”.

Os rituais abertos aos iniciantes acontecem todos os dias 15 e 30 de cada mês e duram aproximadamente quatro horas. “Os encontros são abertos e gratuitos. Basta nos avisar com antecedência, pois é necessário uma entrevista prévia”, alerta Messa.

Saiba mais

Os interessados em conhecer o grupo Céu de Santa Fé, que realiza suas sessões em um sítio no município de Santa Fé, a 50 km de Maringá, devem antes solicitar autorização

enviando um e-mail solicitando autorização ao endereço eletrônico de um dos organizadores dos encontros: aamessa@hotmail.com

Opinião

Comecei a usar drogas com 11 anos, por isso me chamavam de Zé Louco. Meu sonho era ser cantor de rock. Fui para Curitiba aos 18 anos, onde meu problema com o vício se agravou. Lá fiquei sabendo de um chá que dava um ‘barato’ e fui atrás. A primeira vez que experimentei a Ayahuasca foi em 2001, com um grupo independente. Pensei que iria morrer. Vomitei e cheguei a um estado que eu não lembrava do meu nome. Jurei que nunca mais voltaria. Após essa experiência fiquei dois meses sem drogas. Tempo depois, quando estava de novo nas drogas, fui ao Santo Daime para ver se conseguia sossegar de novo. Desta vez foi maravilhoso e continuei frequentado. Certa vez, durante uma meditação, uma voz interior me disse que o Zé tinha morrido. Só então percebi porque na primeira vez que bebi a Ayahuasca eu esqueci como me chamavam. O Zé Louco morreu, e só sobrou o Anderson, meu verdadeiro nome. Larguei as drogas. Quando surgiu o convite para iniciar a produção do chá em Santa Fé, aceitei de imediato. Deixei minha família e amigos em Curitiba para me dedicar ao Daime. Hoje moro no sítio e estudo Agronomia em Maringá. Quero dedicar minha vida ao que me salvou”.

Anderson Augusto Messa
Estudante de Agronomia

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