A imagem de um professor ‘nadando’ em cima de uma mesa em uma aula de natação correu mundo e ajudou o curso de Educação Física a ter um mínimo de estrutura para as aulas práticas; hoje a Universidade Estadual de Maringá (UEM) tem um dos melhores e mais bem estruturados cursos de Educação Física do Brasil
Luiz de Carvalho
Diferente de outros cursos, que já existiam separadamente na cidade e foram unidos para dar início à Universidade Estadual de Maringá (UEM), o de Educação Física foi elaborado e implantado pela própria universidade, mas o curso que deveria acontecer em quadras esportivas, campos de futebol, pistas de corrida, caixas de salto e piscinas nasceu quando ainda não existia qualquer estrutura para seu funcionamento.
Os primeiros alunos, ingressos em 1973, eram todos atletas de alguma modalidade e a maioria fazia dos pendores físicos profissão, lecionando Prática Esportiva nas escolas estaduais e mesmo na UEM, que naquela época ainda não tinha campus e as aulas aconteciam em diversos pontos da cidade, como nas salas cedidas pelo Instituto de Educação, Escola Regina Mundi e no histórico prédio que serviu de Inspetoria Regional de Ensino, na Avenida Tiradentes, dentro do terreno do Colégio Marista.
A instalação do curso, em 1973, coincidiu com o início da implantação do campus-sede da UEM. Algumas salas levantadas com material pré-fabricado abrigavam os poucos cursos, entre eles o caçula, Educação Física, resultado de um desejo do primeiro reitor, José Carlos Cal Garcia.
“Um ano antes, o governo federal baixou uma Lei que obrigava todos os colégios e cursos superiores a manterem aulas de Prática Esportiva e isto abriu um campo muito grande para professores de Educação Física”, lembra a professora Maria Amélia Tílio, uma das primeiras professoras formadas em Educação Física. “Na época eram pouquíssimas universidades no Brasil que ofereciam curso de Educação Física e o reitor achou que poderíamos sair na frente, já que a exigência governamental ia precisar de muitos professores formados”.
Cal Garcia determinou que Maria Amélia, coordenadora de Prática Esportiva na nascente UEM, ‘desse um jeito’ e elaborasse a grade curricular e tudo o mais que fosse necessário para o primeiro vestibular.
“Não era uma tarefa fácil porque as coisas naquele tempo eram diferentes, não tínhamos Internet e nem material impresso que orientasse a criação de um curso que ainda era novidade no País”, recorda o professor Jair Henrique Alves, que havia concluído Educação Física dois anos antes na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e se transferira para Maringá após passar em um concurso do Estado para lecionar nos colégios de Maringá. “A Maria Amélia chamou a mim, o Joaquim Martins Júnior, a Sara e o Victor Shiguinov, todos formados e que já trabalhávamos com Prática Esportiva na própria UEM, para ajudarmos a atender a exigência do reitor. Como não sabíamos como fazer e nem dispúnhamos de materiais, apelamos para nossas relações e fomos procurar ajuda em outros lugares, ver nas universidades que já tinham o curso como era o funcionamento. O que sei é que conseguimos elaborar o currículo e o primeiro vestibular”.
Natação em cima da mesa
O curso de Educação Física das universidades estaduais de Maringá e Londrina (UEL) foram dos primeiros do Brasil fora das capitais. O da UEM, por exemplo, atraiu jovens de boa parte do Estado que buscavam formação para lecionar nos colégios estaduais.
“Tínhamos um curso que era novidade, um curso que era atraente, tínhamos alunos muito interessados se mudando para Maringá vindos de diferentes regiões, tínhamos 12 ‘professores fundadores’, mas não tínhamos estrutura nenhuma além da sala de aula”, conta Jair Henrique. “E Educação Física é o curso que acontece fora da sala de aula”.
Os alunos das primeiras turmas eram todos pessoas que já vinham do esporte e cada um conhecia bem pelo menos uma modalidade esportiva. Estavam na faculdade para conhecer os fundamentos, mas tinham pouca chance de aprender na prática o funcionamento de outras modalidades. “O professor ficava gesticulando para tentar fazer o aluno entender como devia fazer o arremesso de uma bola à cesta do basquete, qual a posição do punho na hora de cortar uma bola no vôlei ou como pegar o máximo impulso numa prova de 100 metros rasos ou como fazer um salto com vara. O aluno tinha que usar a imaginação e se sentir fazendo o que o professor tentava explicar”, conta sempre nas rodas de amigos o professor aposentado Otávio Dias Chaves Júnior, o Cambará, uma lenda do basquete maringaense, que aceitou o desafio de ensinar teorias nos primeiros dias da Educação Física da UEM.
A imagem de um professor deitado sobre uma mesa, cercado por atenciosos alunos, dando braçadas, respiração ofegante e vigorosos movimentos de perna ficou famosa, correu mundo e mudou tudo no Curso de Educação Física de Maringá.
A reportagem da TV Cultura (hoje RPC) foi uma armação dos professores para obrigar a universidade e o governo do Estado a oferecerem o mínimo de estrutura para as aulas práticas.
“Tínhamos professores de altíssimo nível e alunos muito interessados. O tempo passava e nada de estrutura”, diz Jair Henrique. “Aí eu chamei o Foguinho (João Bastista Siqueira, histórico cinegrafista da TV Cultura) e ele filmou o professor ‘nadando’ em cima de uma mesa durante uma aula de natação. Quando a matéria foi para o ar, o reitor enlouqueceu, deu esporro em meio mundo e mandou que providenciássemos parcerias com quem tivesse piscina, quadra esportiva, campo de futebol… Aí, tudo de mudou de figura, passamos a usar a piscina e a quadra do Centro Esportivo do Jardim Alvorada e depois fizemos um convênio com o Clube Olímpico, onde passamos a ter campo de futebol, quadras para vôlei, basquete, futebol de salão, pista de corrida e uma das melhores piscinas olímpicas do Paraná”.
Sem estrutura, mas com
muita raça, diz Profeta
Com histórico nas quadras de basquetebol na melhor geração que esta modalidade já teve em Maringá, Amílcar Machado Profeta foi um dos alunos que aprendeu os fundamentos da natação vendo o professor deitado na mesa, dando braçadas e falando que aquilo era nado de peito, crawl (nado livre), ‘agora nado de costa’, ou simulando um corte no fundo da quadra de vôlei.
“Não tínhamos estrutura, mas tínhamos a boa vontade dos professores e dos alunos. Acho que dali saiu uma das melhores gerações de professores de Educação Física que Maringá já teve”, diz, orgulhoso de ter sido o representante da primeira turma durante todo o curso e orador na formatura, em 1975.
Foi graças ao diploma conquistado na UEM que Profeta fez história como gestor de esportivo, chegando à presidência da Autarquia Esportes de Maringá, secretário de Esportes e Turismo na administração João Paulino Vieira Filho e diretor de Esportes do Estado de Rondônia.
Outro aluno da primeira turma foi Vicente Pimentel Dias, que na época era o corredor mais importante do Atletismo paranaense, que passou anos como maior vencedor das corridas de rua. Segundo ele, todos sabem que o período que um atleta consegue permanecer no alto nível é relativamente curto e se ele quer prolongar sua atividade na área é transmitindo o que sabe para as novas gerações. “Nosso curso de Educação Física praticamente não tinha estrutura material, mas tínhamos os melhores e mais dedicados professores, aqueles que souberam fazer história”.
Curso de Maringá é
modelo para o Brasil
O primeiro curso da Universidade Estadual de Maringá que precisava de estrutura para funcionar, mas que nasceu contando apenas com uma sala, um quadro negro (que era verde) e 30 carteiras, hoje ocupa quase um quarto do campus-sede e é um dos que mais forma gente.
O curso de Educação Física da UEM mantém uma média de 400 alunos em turmas de Licenciatura em períodos integral e noturno e de Bacharelado, com duas turmas em período integral, além de turmas de Mestrado e Doutorado acadêmico e profissional.
O diretor do Departamento de Educação Física, professor doutor Claudio Kravchychyn, diz que o curso da universidade de Maringá é um dos mais bem estruturados do Brasil, contando com piscina de 25 metros, piscina coberta, quadras cobertas para a prática de voleibol, basquete, quadra polivalente, quadra poliesportiva para ginástica artística, judô, tênis de mesa e capoeira, pista de atletismo, caixa de salto e de lançamentos, quadra de areia, campos de futebol e academia.
Atualmente, praticamente todo o corpo docente do curso tem nível de doutorado ou mestrado. E quase todos os professores foram alunos do curso em que lecionam hoje.
Para Kravchychyn – que mudou-se de Campo Mourão para Maringá na década de 1980 para estudar Educação Física na UEM -, além da boa estrutura material, um dos patrimônios do curso é o alto conceito obtido no âmbito nacional, formando profissionais com elevado grau de comprometimento com o trabalho que farão, tanto como professores nas escolas quanto como técnicos de diferentes modalidades esportivas, em clubes, academias ou como personal trainers.
Aposentado há 10 anos, o professor Jair Henrique, que deu aula nos tempos em que não havia qualquer estrutura além de quadro negro (que era verde) e cadeiras numa sala e também quando os campos, piscinas, quadras e pistas ocupavam quase um quarto do campus-sede da UEM, destaca o empenho da equipe nesses quase 50 anos para oferecer a Maringá, ao Paraná e ao Brasil um curso de Educação Física de alto nível. “Eram muitos os desafios, mas a equipe correu atrás e resolveu, surgiam novos desafios e novamente equipe e acadêmicos resolveram. Os desafios vão acontecer sempre, acontecem hoje, mas há uma cultura de resolvê-los”.
Segundo o professor, que foi o primeiro diretor do Departamento de Educação Física da UEM, em 1973, “o curso está sedimentado, com uase todo o corpo docente com nível de doutorado”. E repete o poeta português: “Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena”.
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