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De mala na mão, mascates deram início à história do comércio em Maringá

O maior centro de compras do noroeste paranaense, com uma rede de lojas onde se pode achar de tudo, e shopping centers que atraem visitantes de toda a região, há pouco mais de 70 anos se resumia a um quarteirão perdido na mata e antes disto a algumas casinhas de pau a pique, onde se vendia o básico para a alimentação, enxadas, foices, facões, serrotes traçadores, lamparinas, querosene e pano.

 

O comércio maringaense não nasceu em mãos de quem conhecia a atividade. Os primeiros foram aventureiros que, ao chegarem, enxergaram oportunidades e iniciaram atividades que não conheciam direito, mas, por falta de concorrência, deram certo, pelo menos por algum tempo. Com centenas de famílias chegando para a derrubada das matas e a plantação dos primeiros pés de café, rapidamente o vilarejo no meio da mata começou a atrair comerciantes de verdade, que chegaram para montar as primeiras “casas” de comércio e em pouco tempo os dois quarteirões mais antigos de Maringá já contavam com casas de secos de molhados, casas de tecidos, casas de implementos agrícolas, farmácias, padarias, pensões

 

O agropecuarista Ernesto Paiva, que viveu seus últimos anos na Zona 2, tinha 21 anos quando veio à região conhecer a afamada terra roxa e, ao participar de uma festa de casamento, se ofereceu para fazer o bolo da noiva. O bolo foi tão elogiado que ele acabou montando a Panificadora e Confeitaria Arco-Iris, Mário Siqueira Jardim começou com uma pequena farmácia e ficou rico o suficiente para virar fazendeiro, Hilário Alves abriu um comércio de ‘tudo um pouco’, mas em seguida teve também loja de tecidos, padaria e foi quem construiu o Hotel Indaiá, que por anos permaneceu como um dos maiores da cidade.

 

O estabelecimento mais forte de Maringá era a Casa Planeta, do Arlindo Planas. O prédio existe até hoje em frente a Capela Santa Cruz, na Avenida Brasil, na região hoje chamada de Maringá Velho. O comércio do Planas, todo em alvenaria, com quase 10 portas, tinha caminhões e várias carroças para fazer entrega nas fazendas.

Ao mesmo tempo em que, ao lado da pensão que a Companhia Melhoramentos instalara para receber compradores de terras no norte/noroeste, nascia um centro de compras para atender aos moradores das fazendas, havia o comércio de porta em porta, com mascates levando em mulas ou nas costas, por trilhas abertas a facão no meio da mata, malas que tinham de tudo que se podia encontrar em uma loja.



Turco empreendedor

 

“Olhando para trás, parece que o comércio dos primeiros dias era loteado entre famílias originadas de diferentes países”, avalia o comerciante Abrão Manoel, que todos conhecem como Manoel Abrão, que com os filhos dirige as lojas Santa Terezinha. “Os portugueses comandavam as casas de secos e molhados, os japoneses as quitandas e os ‘turcos’ as lojas de tecidos”.

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A Casa da Lavoura foi um dos primeiros estabelecimentos comerciais de Maringá, criada pelo pioneiro José Jorge Abrão Foto: Arquivo

 

Manoel fala de cadeira. Afinal, ele não só é pioneiro dos primeiros dias como é parente do primeiro comerciante da cidade, o ‘turco’ José Jorge Abrão, que na verdade não era turco e sim libanês. Ele foi a terceira pessoa a vir morar onde nasceu Maringá e foi o dono da primeira loja da cidade, em 1944, e vendeu os panos que vestiram os primeiros moradores.

 

“As grandes vendas aconteciam nos finais de semana, quando as famílias vinham das fazendas para fazer compras”, contava Manoel, cujo pai, o verdadeiro Manoel Abrão, foi o dono da primeira loja de tecidos de Floriano, a Casa Santa Terezinha. “As mulheres escolhiam panos e compravam peças inteiras. É por isto que nas fotos antigas vemos que as crianças se vestiam todas com camisas do mesmo tecido”.

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Manoel Abrão, da Lojas Santa Terezinha, contava que as lojas da cidade tinham a dura concorrência dos mascates, que iam ao freguês estava Foto: Arquivo

 

José Jorge Abrão, que lá no Líbano chamava-se Yussef Abrão, estava no Brasil fazia pouco tempo e tinha dificuldades para falar português, mas era um verdadeiro empreendedor. Ele viajou durante uma semana de Minas Gerais até o local onde seria criada a comunidade de Maringá e ao chegar se tocou que, como era normal dos árabes, não sabia fazer outra coisa a não ser vender. Não tinha a quem vender, mas ele sabia que em pouco tempo as matas dariam lugar a cafezais e os compradores chegariam. E chegaram, ele ganhou dinheiro, trouxe parentes e patrícios, criou lojas em outros ramos e o primeiro cinema da cidade, o Cine Primor, em uma época em que o vilarejo ainda nem tinha eletricidade. Até hoje a família Abrão continua na cidade com suas lojas.



Peixe e carne seca

 

“Quando a Melhoramentos começou a vender os terrenos do ‘Maringá Novo’, entre o Posto Maluf e a Praça Rocha Pombo, o comércio já era forte, já tinha grandes lojas de fora, como a Pernambucanas e Buri”, lembra Manoel Abrão. A cidade já tinha mais de mil casas, mas a maioria do povo vivia na zona rural, já que a esta altura o café fazia a riqueza da região.  “Quando alguém ia se casar, fazia todas as compras na mesma loja e a loja bancava a festa”, lembra o comerciante. “As equipes de festeiros das lojas armavam as barracas, faziam o churrasco, serviam as bebidas, davam até o bolo do casamento”.

 

Com a abertura do Maringá Novo, com centenas de novos prédios, milhares de pessoas chegaram para trabalhar na construção. Como essas pessoas precisavam morar, nasceu a Vila Operária, onde um dos primeiros estabelecimentos foi a Casa Estrela, do português João da Silva, que resiste até hoje na esquina da Avenida Riachuelo e Rua Santos Dumont. “Na época, as casas não tinham geladeira e quase tudo de comer era seco, como peixe e jabá que ficavam em caixas sobre o balcão”, lembra Silva.

 

 

Pernas peladas do ‘seo’ Salim

 

“Pesava uns 50 quilos cada uma”, dizia Mohamed Hussein Salem, o seu Salim, que morreu em 2020 com 96 anos, se referindo ao peso das malas que carregava, lembrando quando chegou à região com 29 anos e sem saber sequer uma palavra em português. Ele tinha acabado de chegar do Líbano, onde deixara a mulher e três filhos, não conhecia ninguém e nem tinha dinheiro, mas um patrício de São Paulo, que já tinha ficado rico no Brasil, lhe emprestou 20 cruzeiros e adiantou duas malas com mercadorias para mascatear.

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Seu Salim, que na verdade era Salem, vendia bem antes mesmo de aprender português Foto: Arquivo

 

O dinheiro ele gastou na viagem para o norte do Paraná e ao chegar passou dias sem comer e dormindo sobre um saco vazio. “Cheguei na frente de uma casa e ofereci minha mercadoria, mas como não falava português a mulher não deve ter entendido, não sabia o que eu queria. Então abri uma mala e minutos depois havia dezenas de pessoas em volta. Vendi tudo e ainda saí de lá com várias encomendas para a próxima viagem”.

 

Seu Salim por muitos anos percorreu as fazendas de café com suas malas de 50 quilos, onde levava cortes de pano, camisas, pulseiras, espelhinhos, pentes, escovas, cintos, meias, quase tudo o que se podia encontrar em uma loja. “Minhas pernas não têm pelos nas canelas, de tanto as malas esfregar”, se orgulhava ao contar, muitos anos depois, quando já dominava bem o português.

 

“As pessoas diziam: tal dia eu pago, e a gente podia ir que não dava nem nêga”. Salim ganhou dinheiro, trouxe a família, teve mais 7 filhos no Brasil, tem mais de 80 descendentes e criou uma loja, a Casa Síria. Teve que apelar para esse nome, que se refere a um país diferente daquele em que nasceu, porque algum patrício já tinha a Casa Líbano, outro a Monte Líbano, também a Libanesa.

 

 

De mascates a lojistas

 

Como Salim, muitos e muitos outros ‘turcos’, que na verdade eram libaneses e sírios, mascatearam nas ruas da nova cidade e nas fazendas até próximo dos anos 80, quando quase todos se tornaram lojistas. Haddad, Cacim, Cacem, Casseb, Cairo, Líbano, Libanesa e muitas outras lojas de tecidos e confecções nasceram desta forma.

 

Mas, nem só de ‘turcos’ viveu o comércio de tecidos dos primeiros anos. “Eu não entendia nada de loja, mas achava bonito e decidi arriscar”, disse Romeu Jacob Becker, de 87 anos,  um gaúcho filho de alemães que veio conhecer a região, trabalhou como contador, foi caminhoneiro e por quase 60 anos foi dono da Novidades Romeu, ponto de referência na Avenida Tiradentes. Começou com um estoque de oito saias na sala da casa em que morava e pouco tempo depois já tinha mais de 20 vendedoras ocupadas o dia inteiro.

 

Nota da Redação:

Três personsagens desta matéria morreram nos últimos anos

Abrão Manoel, 80 anos, em 16 de novembro de 2019
Mohamed Hussein Salém, 90 anos, em 5 de setembro de 2020
Romeu Jacob Becker, 90 anos, em 24 de julho de 2018

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