criação do feriado da Consciência Negra

Economista analisa impacto econômico da criação do feriado da Consciência Negra

O debate a cerca da instituição de um feriado municipal em Maringá no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, como reconhecimento à participação da população preta no processo de construção da cidade, foi enriquecido nesta quarta-feira, 21, por uma análise feita pelo Núcleo de Economia do PDT do Paraná. O parecer do Núcleo foi elaborado após um estudo dirigido pelo economista Arthur Pentagna.

 

 

PARECER ECONÔMICO SOBRE A CRIAÇÃO DO FERIADO DA CONSCIÊNCIA NEGRA EM MARINGÁ

A proposição da criação do feriado da Consciência Negra em Maringá, feita pelos vereadores Professora Ana Lúcia, Belino Bravin, Doutor Manoel Sobrinho, Adriano Bacurau, reacendeu uma questão que de tempos em tempos vemos no debate público. Afinal, os feriados são mesmo deletérios para a atividade econômica? É o que diz o senso comum, mas será que essa intuição é confirmada pela literatura especializada?

 

Em primeiro lugar, é importante desconstruir um mito recorrente quando se trata desse assunto. Diferente do que costuma se ouvir, o Brasil está longe de ser um país excepcionalmente prolífico em feriados. Nosso país conta com apenas nove feriados nacionais oficiais.

 

Adicionando a terça-feira de Carnaval e Corpus Christi nessa lista, que não são feriados nacionais oficiais mas acabam sendo na prática, temos um total de 11 datas comemorativas em nosso calendário. Essa é a mesma quantidade que Estados Unidos, França e Itália, por exemplo. Países asiáticos, por sua vez, costumam ter um número bem superior de feriados. Para efeito de ilustração, o Japão tem 16 feriados nacionais e a Coreia do Sul tem 15. Já os feriados regionais, longe de serem uma excepcionalidade ou “jabuticaba” brasileira, são bastante comuns em outros países. Também vale frisar que existem regras bastante estritas para a criação de feriados a nível estadual ou municipal no Brasil, que impõem limites quantitativos a esses.

 

Feito esse preâmbulo, vamos ao principal questionamento que esse texto busca, se não elucidar, ao menos investigar: feriados são bons ou ruins para a economia?

 

A criação de um novo feriado gera inúmeros efeitos, direta ou indiretamente. Evidentemente, os efeitos diretos são distribuídos de maneira heterogênea entre diferentes tipos de atividade econômica.

 

Haverá atividades que serão interrompidas e que, possivelmente, experimentarão uma perda econômica como indústria de transformação, bancos e alguns serviços pessoais. Por outro lado, é bastante provável que outros setores experimentem um aumento de sua demanda como bares e restaurantes, cultura e lazer e hotelaria. Por fim, há aquelas atividades que dificilmente sentirão algum impacto, como a agricultura.

 

Dessa forma, para se mensurar de maneira satisfatória o real impacto da introdução de um feriado na economia, seria necessária a existência de estimativas que dessem conta dessa heterogeneidade entre diferentes atividades. No entanto, os dados que dispomos não têm granularidade suficiente para chegarmos em um determinado impacto x na economia de Maringá em específico. Um estudo de Rosso e Wagner (2022), no entanto, estimou qual é esse impacto a nível agregado utilizando dados em painel de mais de 200 países durante 20 anos. Segundo os autores, uma redução em um dia útil no calendário de algum país (o que equivaleria a um feriado a mais) gera uma perda equivalente a cerca de 0,08% do PIB.

 

Há que se tomar um certo cuidado com essa estimativa, por uma série de razões. Primeiro, como já mencionado, o efeito de um feriado vai depender da composição da economia entre diferentes setores. Um município no qual os setores que seriam beneficiados com o feriado (bares e restaurantes, cultura e lazer, hotelaria, etc.) tenham um peso proporcionalmente maior provavelmente experimentaria uma perda econômica menor que os 0,08% supracitados. No limite, se a economia daquela localidade em particular for muito dependente de setores que se beneficiam com feriados, pode-se verificar até mesmo um ganho em termos de PIB. O contrário também vale para localidades muito dependentes de atividades que são prejudicadas com feriados. Nesses locais, é provável que a perda econômica seja maior que 0,08%.

 

No mesmo estudo de Rosso e Wagner, são apresentadas algumas estimativas de impacto a nível de setores. Infelizmente, essas estimativas foram feitas em um nível bastante agregado (atividades ligadas ao turismo não estão divididas de serviços em geral, por exemplo), mas valendo-se delas e da divisão do PIB de Maringá por setores calculada pelo IBGE, chega-se a um número bem próximo dos 0,08% que os autores encontram como impacto médio.

 

Outra ponderação que deve ser feita é que o impacto que os autores encontram é a média em uma amostra de mais de 200 países e durante 20 anos de observações. É bastante provável que o efeito de um feriado a mais varie entre países distintos e em períodos diferentes, a depender de fatores como instituições e tecnologia, por exemplo.

 

No caso brasileiro, em específico, a introdução de um feriado representa uma transferência de renda para os trabalhadores formalizados (já que parte deles irá trabalhar de qualquer forma, e a esse  trabalho será atribuído o dobro do pagamento dado para um dia útil). A existência desse arranjo institucional implica na criação de um canal de interação adicional entre a introdução de um feriado e a atividade econômica. Se, no jargão dos economistas, a economia for wage-led (liderada pelos salários), essa transferência de renda contribuirá para o aumento da atividade econômica. Se, pelo contrário, a economia for profit-led (liderada pelos lucros), essa mesma transferência acabará auxiliando na redução da atividade econômica. Infelizmente, a literatura empírica que busca averiguar se o regime de demanda brasileiro é liderado pelos salários ou pelos lucros tem resultados mistos, então não é possível afirmar qual seria o sinal desse efeito na atividade econômica.

 

Por fim, existem outros efeitos que podem introduzir elementos positivos para a economia. Há ampla literatura que relaciona os finais de semana a uma redução no estresse e, por fim, a um aumento na produtividade. É razoável supor que feriados tenham um efeito análogo.

 

Considerando todos esses fatores, não é possível vaticinar qual é o efeito da introdução de um feriado a mais em dada economia. O que a literatura indica, contudo, é que as eventuais perdas econômicas são menos que proporcionais e relativamente pequenas. Dessa forma, parece ser importante levar em conta o que significa a introdução de um feriado de maneira mais ampla.

 

Feriados podem ser instrumentos de coesão social, para homenagear certos símbolos, tradições e uma história em comum. Assim sendo, a despeito de perdas na produção econômica, podem haver ganhos de outra ordem. De maneira análoga, um trabalho de Campante e Yanagizawa-Drott (2015) encontrou que mais horas de jejum no Ramadã (mês sagrado para os muçulmanos) em países de maioria islâmica implica em perdas na atividade econômica, entretanto a sensação de felicidade aumenta. Ou seja, mesmo tendo perdas na sua riqueza material devido ao Ramadã, existem fatores subjetivos que acabam por aumentar o bem-estar da população desses países. O próprio estudo de Rosso e Wagner, apesar de encontrar um efeito negativo para a atividade econômica na média, reporta um ganho na sensação de felicidade relacionado a mais feriados. Como, mais do que a riqueza material puramente, em geral deseja-se aumentar o bem-estar médio da população, não podemos descartar essas evidências.

 

Considerando que a população negra no Brasil, apesar de numerosa, é historicamente marginalizada, a introdução de um feriado a mais para homenagear essa parcela do povo e sua história de luta e resistência parece ter um custo relativamente pequeno frente aos potenciais ganhos. Será que 0,08% do PIB, ou menos de um décimo de um por cento, é demais frente a necessidade de relembrar e exaltar a imensa contribuição dos povos de origem africana para a cultura e formação de nosso país?

 

 

Arthur Pentagna

Economista pela UFPR

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