O jovem recém-formado que chegou sem saber o que fazer em uma cidade que tinha tocos de peroba no canteiro da avenida principal tornou-se a maior referência no setor de comunicação na região, dirigindo ao mesmo tempo emissoras de rádio e de televisão e o maior jornal impresso da região
Luiz de Carvalho
Como proprietário de quase duas dezenas de emissoras de rádio espalhadas por várias cidades do noroeste paranaense, uma emissora de televisão retransmitindo a Rede Globo e do maior jornal da região, pode-se dizer que Joaquim Dutra é o mais importante nome da história da imprensa de Maringá e se impõe no Paraná ao lado de nomes como Paulo Pimentel, João Milanez e Francisco Cunha Pereira.
Ao lado dos sócios da vida inteira Samuel Silveira, Carlos Piovesan Filho e, um pouco mais tarde, Reginaldo Nunes Ferreira, Dutra era considerado um homem que via oportunidades onde elas pareciam não existir. Foi assim que ele assumiu a Folha do Norte do Paraná que acabava de fechar e também com esta visão criou O Diário do Norte do Paraná quando pouca gente acreditava que a cidade já comportava um jornal impresso em offset. Participante das atividades que promoviam o desenvolvimento regional, ele foi também presidente da Associação Comercial e Industrial de Maringá (Aciv), onde foi um dos fundadores e participante ativo.
O grupo era bem azeitado. Samuel tinha trânsito no governo federal e especializou-se em conseguir concessões de rádio e na década de 1970 conseguiu a da TV Cultura, colocada no ar nas antigas instalações do Colégio Filadélfia sem uma programação definida, num golpe de sorte tornou-se retransmissora da Globo, direito que antes pertencia à Tibagi, de Apucarana.
“Eram fortes e respeitados. Bajulados por políticos numa época em que o rádio era o maior veículo de comunicação que existia, souberam manter-se sempre longe das benesses do poder e jamais curvar-se para ninguém”, escreveu o registrador-mor da vida maringaense das décadas de 70 e 80, Ademar Schiavone, na inesquecível coluna “Memórias de um bom sujeito”.
“Souberam manter-se sempre longe das benesses do poder e jamais curvar-se para ninguém”.
Ademar Schiavone
Maringá ainda era distrito de Mandaguari quando Dutra soube que Samuel Silveira ia montar uma rádio na cidade
Radialista por acaso, empresário por competência
Joaquim Dutra talvez teria sido proprietário de um escritório de contabilidade, contador de uma grande empresa ou proprietário de hotel de viajantes não fosse seu encontro com Samuel Silveira em 1950 no hotel de propriedade de seu pai, na Avenida Tamandaré, próximo à Estação Ferroviária. Silveira era radialista experiente, com passagem por várias emissoras do Estado de São Paulo, e veio a Maringá depois de conseguir uma concessão para a instalação de uma rádio na nascente cidade.
Joaquim era quase um menino. Tinha 21 anos e também acabava de chegar na cidade. Tinha concluído o curso de Contabilidade em São Paulo e veio ajudar o pai no hotel. A Rádio Cultura entrou no ar em 1952, Joaquim era o contador, virou locutor, depois gerente e mais tarde tornou-se sócio. Para completar a história, namorou a secretária da rádio, Luiza, casou com ela e teve três filhos, Marcos, Marcelo e Maria Luiza, a Malu.
ZYS 23, a casa do sertanejo de raiz
Eram os anos em que o café era o principal produto de exportação do Brasil e fazia a riqueza do norte/noroeste do Paraná e sul de São Paulo. As cidades surgiam e cresciam rapidamente. Como Samuel Silveira especializou-se em conquistar concessões de rádio e Joaquim Dutra era seu executor, logo o grupo estava presente em várias cidades da região. A Rede Paranaense de Rádio chegou a 19 emissoras e foi a maior do Estado. Em Maringá eram a Rádio Cultura e a Rádio Jornal.
A Rádio Jornal era clássica, com MPB de qualidade e música instrumental. Os locutores falavam apenas o nome da música, cantor e compositor, além da hora certa e um ou outro comunicado. Hoje ela tem o novo de Nova Ingá e pertence ao Grupo Pinga Fogo.
A Cultura era considerada uma das melhores emissoras do Sul do Brasil, com auditório, estúdio para ensaios e salas de gravação. As principais duplas sertanejas do Brasil faziam base em Maringá devido ao apoio e força da Cultura. Foi no seu estúdio de ensaio que o gênio da viola Tião Carreiro e o músico local Itapuã Ferrarezi criaram a batida do pagode.
A Rádio Cultura passou pelas mãos de seu ex-funcionário Frank Silva, dono do jornal O Diário, e hoje a concessão pertence a um grupo evangélico.
Da Folha do Norte ao O Diário, desafios do impresso
Em 1964 o Brasil passa por profundas mudanças com a implantação do regime militar, mas alheio à política, Joaquim Dutra se propõe a um novo desafio: arrendar o jornal Folha do Norte do Paraná, criado pelo bispo dom Jaime Luiz Coelho em 1962 para combater o comunismo crescente e estava fechado por problemas financeiros.
Não entendia nada de jornal, mas tinha, ali mesmo na Rádio Cultura, o Antonio Augusto de Assis, um jovem afeito às letras que tinha colaborado com todos os jornais e revistas que existiram na cidade. Juntos, Dutra e Assis montaram equipe, compraram equipamentos e a Folha tornou-se um dos maiores jornais do Paraná.
A Folha era um jornal moderno, a última palavra em impressão a partir de chumbo fundido. Eram cerca de 10 linotipos trabalhando na composição dos textos em linhas de chumbo, que formavam a página, que depois passava pela calandra, que prensava a página de chumbo em uma placa, gravando uma espécie de negativo em alto relevo. Na folha gravada era derramado chumbo derretido, transformando a página em uma peça única.
A Folha contou também com uma clicheria, considerada a melhor do interior do Paraná, que fazia clichês e fotolitos para tipografias de várias cidades
Com abundância de clichês (fotos), bem diagramada e com uma equipe de jornalistas e colunistas que fazia frente à Folha de Londrina, a Folha do Norte reinou por 10 anos e Dutra quis ainda mais: comprou uma rotativa offset, a última palavra em impressão de jornais na época. Mas, o dono do jornal, dom Jaime, não aceitou a inovação e teria forçado o fim do arrendamento.
Com a máquina comprada e sem ter onde guardá-la, Joaquim recorreu a seus sócios no grupo de rádios e os convenceu que jornal era um bom negócio e que o offset era o futuro da impressão. Foi aí que Maringá ganhou O Diário do Norte do Paraná, que por 45 anos foi o maior jornal da região.
Legado para sempre
O grupo comandado por Samuel Silveira e Joaquim Dutra nunca se desfez, mas aos poucos foi reduzindo suas propriedades na área de comunicação. A TV Cultura foi vendida ao sócio Francisco Cunha Pereira, dono da Gazeta do Povo e da retransmissora Globo em Curitiba, O Diário passou por vários proprietários e as rádios foram vendidas a funcionários antigos.
Dutra foi diagnosticado com Mal de Parkinson logo no início do século e morreu em 2015 aos 86 anos. As emissoras de rádio por ele criadas continuam existindo e muitas deram origem a grupos de comunicação, como é caso do GMC de Maringá, fundado por um dos primeiros locutores da Rádio Cultura, Aloysio Barros. A TV Cultura, que antes cobria metade do Paraná, é hoje a RPC Maringá, com atuação em 69 municípios.
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